Educação levada a serio

08/04/2013 22:19

 

“Eles têm medo de mim porque sou chata”, diz diretora com Idesp 8,27

 

Em comunidade violenta de Diadema, escola tem excelentes índices nas avaliações oficiais, mesmo sem computador, carência de professores e seringas na quadra esportiva

Cinthia Rodrigues - iG São Paulo 

08/04/2013

 

O muro com desenhos infantis já bastante desbotados é o que há de mais colorido na vizinhança da escola estadual Claudio Abramo, em Diadema, onde quase todas as casas variam entre cinza e marrom conforme o material usado nas construções semiacabadas. Na entrada, chama atenção as três grades que é preciso atravessar. O ambiente é tão contrastante com as notas que a escola vem recebendo no Índice da Educação Básica do Estado de São Paulo (Idesp), que até a diretoria regional desconfiou. “Na última prova um supervisor entrou aqui e ficou me vigiando o tempo todo. Quase morri de ansiedade porque eu sou fumante e não queria fumar na frente dele”, conta a diretora Terezinha Imbo Spinoza Parra.

Simplicidade da escola estadual Claudio Abramo chegou a despertar desconfiança sobre resultados no Idesp

 

Mesmo assim a unidade fez ainda melhor do que a já inacreditável nota 7,49 de 2011 e chegou a 8,27 em 2012. A escola tem outras provas de como os alunos vão bem em língua portuguesa e matemática. Na avaliação nacional, alcançou 6,6 no Índice de Educação Básica do Brasil (Ideb) de 2011, enquanto a média no País é 5 e, a visitantes como a reportagem do iG , mostra algo mais inquestionável: o portfólio dos alunos.

No final do 2º ano, exercícios para concluir histórias com poucas linhas resultam em redações que não se limitam ao espaço designado pela professora e preenchem também o verso. No 5º ano, último da escola e série que responde à prova que resulta no Idesp, os textos são mais elaborados e é fácil identificar habilidades gramaticais e de pontuação.

 

“Melhor que as redações do Enem, não?”, comenta a diretora, em uma de muitas opiniões que ajudam a entendê-la. Exemplos: “Esses erros do Enem são uma vergonha”, “Educação quem tem que dar é pai e mãe. Vai chegar um dia que a escola vai ter que dar até o espaço para eles fazerem o filho”, “Tem gente que vem para a escola para ocupar a carteira”, “Acho que o (goleiro) Bruno foi uma vítima” e, em sua página na rede social Facebook, o último post é sobre a maioridade penal “Todo menor assassino, estuprador, traficante também devia ser julgado como adulto. Eu apoio”.

Mesmo assim, ela gosta de repetir que prefere ser respeitada por amor do que por medo e realmente recebe sorrisos dos funcionários e até alunos por onde passa, mas a postura dura é marcante. “Eles têm medo de mim porque sou chata”, confessa. “Quando cheguei dei de cara com ratazana, tinha carteira quebrada entulhada até o teto, tive que ter 
pulso firme.”

Cinthia Rodrigues/iG
Teresinha confere comportamento dos alunos

Isso foi há 11 anos. Desde então, ela abriu “alguns” processos administrativos contra funcionários e professores que não cumprissem suas ordens, dispositivo a que recorre até hoje. “Muitos foram embora, graças a Deus. De uns quatro anos para cá tenho uma equipe fixa, ficou quem quer trabalhar”, diz.

Com os alunos não é muito diferente. Na sexta-feira passada, com o aparelho de som finalmente consertado após meses, os alunos fizeram fila para ouvir o hino nacional. Ela havia avisado que queria silêncio e os professores tentaram impor enquanto os organizavam, mas ela não esperou. “Shiiiiiiiiiiu!”, gritou um andar acima batendo palmas e em seguida colocando o indicador bem alinhado ao nariz. Funcionou na hora. “Se eu chamo alguém para minha sala converso horas. Faço lavagem cerebral. Eles me obedecem porque enjoam da minha cara”, afirma.

Formada bacharel em Direito, Terezinha nunca exerceu advocacia, em vez disso dedicou 40 de seus 68 anos de idade a educação. Agora procura o próprio nome no Diário Oficial diariamente à espera da aposentadoria. “Quando isso acontecer não volto nunca mais. Quero guardar a imagem da escola como eu deixei. Tenho medo do que possa acontecer se não chegar alguém com pulso firme.”

Comunidade violenta 
A Claudio Abramo não tem mais recursos do que a maioria das escolas estaduais, talvez até menos. Os quatro únicos computadores ficam na secretaria. O da sala dos professores está quebrado há mais de um ano e os da sala de informática foram roubados há quatro anos. Ladrões renderam um funcionário com uma arma na cabeça antes do dia raiar e obrigaram a única professora que já havia chegado a ajuda-los a carregar.

 

Apesar da equipe alinhada com a filosofia da diretora, faltam professores. As salas que teriam 30 alunos cada acabam superlotadas ao receber outros estudantes das turmas que estão sem docentes. “Não há profissionais disponíveis, estou pedindo desde o começo do ano e só agora me mandaram alguns”, reclama Teresinha. Uma das interessadas 
pode não ficar. “Ainda vou ter uma conversa com ela, mas o que me disseram é que é uma aposentada procurando trabalho light. O que ela quer dizer com isso? Aqui só tem trabalho pesado.”

O entorno violento também muda a rotina dentro da escola. “Eles usam a quadra. A gente não se mete. De vez em quando peço para alguém ir lá e ver se tem seringa jogada no chão antes de mandar as crianças”, conta sem mudar o semblante.

 

Linha dura é receita da 1ª colocada pública regular de SP no Enem

 

“Na minha escola não tem boné, celular e aluno matando aula”, diz diretora de colégio municipal de Taubaté

 

Na lista das escolas em que os participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são mais de 75% dos alunos da instituição, os primeiros colocados de São Paulo, como no resto do País, são particulares. Depois, aparecem as públicas fora da rede comum, como as técnicas profissionalizantes e as ligadas a universidades. Os dois tipos se intercalam até a posição 640, quando aparece a primeira pública regular: a Escola Municipal José Ezequiel Souza, em Taubaté.

Consulte a nota de todas as escolas e o ranking das melhores e piores no exame 

Ao ser informada do resultado pelo iG, a diretora Maria Aparecida Franco Moreira reagiu com uma meiguice que contrasta com a linha dura que adota. “Foi o melhor presente que recebi em 30 anos de carreira”, disse, resumindo sua receita em seguida: “Voz firme e exemplo”. 

Convidada pela secretaria municipal de Taubaté a assumir a unidade há 11 anos, segundo ela própria “por sua fama”, ela conta que a unidade nem sempre teve sucesso. Apesar de receber os melhores alunos da rede municipal no último ano do fundamental, a instituição trabalha com todas as salas acima de 40 alunos e o ensino médio é noturno. "A diferença é o compromisso e a disciplina", diz. 

 

“Aqui nós temos professores que vestem a camisa da Educação e, além da questão pedagógica, estamos sempre atentos à disciplina”, conta. Quem “sai da linha” vai para a sala dela – seja estudante ou professor. “Vocabulário, por exemplo, professor tem que ter auto-controle, não pode chamar aluno por apelido”, diz. 

Para qualquer incidente, a escola faz boletim de ocorrência, abreviado lá, como nas delegacias, por BO. “É tudo xerocado e passado para pai, aluno, professor e direção, com isso a gente conversa e toma providências. Às vezes, até convido o aluno a se afastar um dia para pensar. Suspender não pode, mas eu convido”, conta.

Os pais são chamados frequentemente à escola para conversar sobre o comportamento dos filhos. “Semana passada, recebi 15 e um deles vai assistir à aula ao lado do filho a partir de segunda-feira”, afirma. “Os pais também sabem que podem contar com a gente. Outro dia um adolescente chegou em casa e disse para a mãe que não teve aula porque só tinha três alunos. Ela ligou para cá para confirmar e pedi que voltasse com ele para contarmos pessoalmente. Então, fomos até a porta da sala e disse: conte rapaz.”

Faltas são reprimidas com prova. Se Maria Aparecida descobre, por exemplo, que alguém marcou festa de aniversário em dia de semana, agenda os exames para os três dias seguintes. “Outra coisa que não existe na minha escola é parede (aluno faltar na sexta para emendar com o fim de semana). Nós marcamos todas as provas para sexta-feira”, diz. “Também não deixo usar boné e celular, coloco recados da proibição pelas paredes e na porta da secretaria, para os pais verem enquanto esperam.”

Segundo ela, o resultado vem no final de cada ano. “A recompensa vem no vestibular. Os alunos passam nas melhores faculdades.”

Fonte:https://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2013-04-08/eles-tem-medo-de-mim-porque-sou-chata-diz-diretora-com-idesp-827.html